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Sporting: Viktor Mário Gyokeres Jardel

Instalemo-nos na máquina do tempo e recuemos ao início do milénio.

Na preparação da época de 2001/02, o Sporting conseguiu contratar, por três anos, Mário Jardel, pagando ao Galatasaray 4,5 milhões de euros e cedendo Mbo Mpenza, Spehar e Horváth. A apresentação de Supermário em Alvalade foi épica, e a onda de entusiasmo prolongou-se até à última jornada, quando os leões confirmaram o triunfo no Campeonato, em casa, frente ao Beira-Mar, culminando, uma semana depois, no Jamor, com a dobradinha (1-0 ao Leixões de Carvalhal, com golo de Jardel). Embora fazendo parte de uma equipa que contava, entre outros, com João Vieira Pinto, Paulo Bento, Rui Jorge, Pedro Barbosa, Sá Pinto, André Cruz, Ricardo Quaresma, Hugo Viana e Beto, Mário Jardel foi a estrela da companhia, obtendo 55 golos ao longo da temporada, 42 dos quais no Campeonato, que lhe valeram a segunda Bota de Ouro, e uma grande notoriedade internacional.

Imediatamente a seguir, numa fase em que o goleador brasileiro já dava mostras de algum descontrolo, meteu-se-lhe na cabeça que queria sair do Sporting para o Real Madrid, terá havido contactos informais, mas o assunto nunca evoluiu o suficiente para passar do «talvez». Outros clubes surgiram no horizonte, nenhum deles disposto, pelo menos, a ressarcir os leões pelo investimento realizado um ano antes, facto a que Jardel, cada vez mais alheado da realidade, pouco ligou, entrando em rota de colisão com o Sporting, cujo futebol era, à altura liderado por Miguel Ribeiro Telles e José Eduardo Bettencourt. O clube de Alvalade, carregado de razão, não cedeu, e Jardel teve de apresentar-se para a época de 2002/03. O que fez nesse ano, diz tudo. Realizou 21 jogos (42 em 2001/02) e marcou 12 golos (55, em todas as competições, na época anterior). De solução, rapidamente Jardel regrediu para problema, degradou-se pessoalmente, e no fim dessa temporada o Sporting não teve outro remédio que não fosse deixar partir, a preço de saldo, o seu Bota de Ouro de 2001/02. Supermário foi para o Bolton (7 jogos) e nos oito anos seguintes arrastou-se, como um fantasma, por outros oito emblemas, acabando a carreira em desgraça.

 

Vale a pena recordar este episódio e enfatizar que, apesar da totalidade da razão estar do lado dos leões, de Jardel ter contrato com o clube de Alvalade, e de não terem surgido propostas interessantes, todos perderam, os verdes-e-brancos porque não só não tiveram o melhor Jardel, como aquele que esteve na cabina em 2002/03 em nada contribuiu para a coesão do grupo, e ainda não vieram a recuperar o investimento; e o brasileiro que a partir do braço-de-ferro com o Sporting entrou num plano descendente que o levou da glória à irrelevância (e não só).

23 anos depois

Mais de 20 anos volvidos, os leões vêm-se envolvidos em nova disputa com o seu melhor goleador, Viktor Gyokeres, a peça mais importante do bicampeonato que fugia aos leões desde 1954. Comecemos por afirmar que entre a situação social e psicológica de Jardel e de Gyokeres não há paralelo que possa ser estabelecido. Mas, num e noutro, em comum existe um elo, a vontade de sair do Sporting, e ir à procura de outras aventuras em clubes de maior capacidade financeira e em Ligas com maior visibilidade que a nossa. Quando este cenário é colocado em cima da mesa, nenhuma situação é fácil de resolver: veja-se o que aconteceu ainda recentemente, com o Benfica e Enzo Fernández, que forçou a saída da Luz para Stamford Bridge. Rui Costa não queria que o internacional argentino partisse, mas acabou por ceder, não só porque o Benfica foi principescamente compensado, mas sobretudo porque teve a certeza de que o rendimento de Enzo de águia ao peito nunca mais seria o mesmo.

É evidente que os clubes, todos os clubes, têm por obrigação defender os seus interesses, mas estamos perante uma situação que não é a preto e branco e onde, até, as áreas cinzentas imperam, tantos (e de tanta gente) são os interesses que se cruzam.

Neste caso de Viktor Gyokeres, que tem contrato com o Sporting em vigor e uma cláusula de rescisão definida, qual é a única situação que não interessa ao clube? Perder o jogador e o dinheiro, como sucedeu, em 2002, com Jardel, pouco importando, de um ponto de vista pragmático, se tinha ou não razão (e tanto com Supermário como com Superviktor, os leões, formalmente, estiveram e estão do lado certo da história).

Mandam a prudência e o bom-senso, porque parece, visto de fora, que as relações entre clube-empresário-jogador já passaram do ponto de não retorno, que seja encontrada uma solução política, em que ninguém perca a face e cada um vá à sua vida. Mais a mais quando são invocadas promessas verbais, que parecem ter sido entendidas, de forma diferente, pelas partes em confronto.

Coesão de balneário

Há quem, de forma ignorante, dê pouco valor à relação entre a coesão do balneário e os sucessos obtidos. Para quem não sabe, não quer saber, ou apenas tem dúvidas, uma coisa está diretamente indexada à outra, é esse vínculo de solidariedade, que é como o oxigénio, que existe mas não se vê, que permite dar a volta a situações complicadas, como ultrapassar uma derrota particularmente dolorosa, ou ter resiliência para aguentar o assédio final de um adversário. O dirigente contrata, o treinador escolhe, mas tudo é decidido pelos jogadores, dentro das quatro linhas, que quanto mais representarem um bloco unido, mais hipóteses de vitória terão. Ora, é jogar à roleta russa ter um balneário onde o nível de insatisfação de um jogador liderante pode minar a coesão, como sucedeu com Jardel (e o Sporting já não quis que acontecesse com João Moutinho) e há o risco de vir a verificar-se com Gyokeres. Nestas coisas, são sempre precisos dois para dançar o tango, e a arte está em encontrar o ponto certo para que a vida possa continuar a fluir, em evolução. E nunca valerá muito dramatizar saídas de jogadores, porque está mais do que provado que os cemitérios estão cheios de insubstituíveis. Se o Sporting, nesta fase pós Amorim e pós-Viana que agora começa, mantiver os níveis de acerto nas contratações (desta feita adaptadas às ideias de Rui Borges), a floresta continuará saudável e será sempre mais importante que a mais imponente das árvores.

Resumindo: O presidente do Sporting tem por obrigação defender os interesses do clube até ao ponto em que estes não se transformem em algo profundamente desinteressante; Viktor Gyokeres, com a narrativa que está em cima da mesa, deve sair de Alvalade, porque se isso não suceder haverá uma forte possibilidade de passar a ser um jogador contrariado e afetado psicologicamente, com poucas condições para repetir a extraordinária época que acabou de cumprir. Ainda uma nota final. O Sporting não tem interesse em deixar prolongar este folhetim. Quanto mais cedo houver uma definição (seja ela qual for), melhor para Rui Borges, que passará a programar 2025/26 baseado em certezas e não em probabilidades.

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