Pedro Gonçalves: “Quando fui para Braga passei muitas dificuldades”

O que aprendeu com a mãe? “A ser uma pessoa simples e trabalhadora. Por vezes sou frio, não dou um abraço e não digo um amo-te, podia ter sido mais sentimental. Tive fases em que chorei sozinho, mas foi a carreira que quis e sempre me mentalizei que para chegar onde estou hoje vou ter de sofrer. Desde os 12 anos que estou fora de casa. Às vezes fico triste por não ter a ligação com a minha família, mas acontece. A minha mãe foi uma escrava do trabalho, agora espero que possa ter o merecido descanso. Nunca me faltou nada, parecia que faziam um esforço a dobrar para que nada me faltasse.”
Aos 12 anos em Braga: “Não eram pais de estar presentes, a insistir, todos os treinos e jogos. Vidago ficava a uma hora, não iam a todos os treinos e jogos, mas nunca me faltou nada.”
Algo que a mãe tenha dito que não esqueceu? “Fui ao FC Porto fazer uns testes durante uma semana, antes dos 12, e queriam ficar comigo, a minha mãe disse que era muito novo, ‘não consigo ficar já sem ti’. Só lhe disse: ‘esta oportunidade ok, não vou, mas se tiver outra oportunidade não me cortes as pernas, deixa-me ir. É o que quero’. Ela confiou em mim. Tive outra oportunidade, o Braga quis ficar comigo, ela disse: ‘Pronto, vou deixar-te ir, não te vou cortar as pernas.’ Foi um momento que vai ficar marcado para sempre. Mal cheguei lá deixaram-me na escola, estive cinco minutos, liguei a chorar a dizer: ‘não é isto que quero, desculpem’. Disseram-me, ‘não, vais ficar aí, é isto que tu queres, vais conseguir’. Foi das palavras que mais me motivaram. Desde pequeno jogo futebol para ajudar a minha mãe e dar-lhe todas as condições. Liga-me a dizer, ‘vi o teu jogo’. Fico feliz.”
Como era a vida em Braga? “Muito complicada, hoje o Braga tem condições incríveis, mas na altura passei muitas dificuldades. Principalmente no início, começaram a perceber que ganhei medos, e uma depressão, andava muito sozinho, com 12 anos, andava por partes complicadas em Braga.”
Quando ligava para casa o que dizia? “Mentia. Dizia que estava tudo bem e que estava a adorar e se calhar por dentro estava a chorar. Sentia que precisava de ajuda. Mas a partir do momento em que fui mais sincero e senti que as coisas não estavam a correr bem, falei com o clube e a partir daí tentaram ajudar-me, a meter mais pessoas a viver o dia-a-dia comigo.”
Pensou desisitir? “Pensei, pensei. Senti que naquela altura não tinha o apoio necessário.”
Força mental decisiva? “Sem dúvida. Foi o ponto forte em mim foi ter crescido tão rápido. Adoro o futebol, não jogo por dinheiro. Jogo futebol para que os meus se sintam orgulhosos e os possa ajudar. Lembro-me de jogaores mais talentosos, mas faltou-lhes aquela mentalidade. Jogava no Braga e não me via a ser dispensado e a voltar para casa. Tinha mesmo de continuar a jogar futebol e a ser alguém. Não havia plano B. Tinha aquela urgência, tinha de ser jogador sim ou sim. Se calhar foi isso que fez a diferença. Quando fui para o Valência foi um ano muito complicado, a FIFA não aceitava a minha inscrição, porque era menor. Tinha 17 anos, tive um ano só a treinar, fazia alguns amigáveis, com os sub-15 ou B. Tentavam meter-me em amigáveis para ter algum ritmo.”
Como se foi ambientando em ambientes tão diferentes? “Não sei como consegui. Foco-me muito no dia-a-dia. Podia não jogar uma época, mas esforçava-me muito no treino, podia ser o último. Nessa época no Valência pensei muito ‘perdi um contrato certo no Braga para estar aqui’. O clube foi muito meu amigo, deram-me dinheiro que não estava no contrato e diziam que iam conseguir inscrever-me. Não conseguiram. Tive muita força para ultrapassar isso. Vivo para ter estes sentimentos, dias de celebração, de tristeza.”
Distraído? “Durante os jogos distraio-me muito com as pessoas, estão a chamar-me e talvez esteja atento ao que estão a dizer-me e não sei o que estou a fazer com a bola.”
Esquecia-se de defender? “Quando era mais novo gostava muito de ter a bola no pé, fazer golos, assistências, uns truques. Mas agora sou muito focado, jogo para ajudar os meus companheiros e a equipa. Nunca olho muito para mim. Se um treinador disser que tenho de defender os 90’, adapto-me e defendo.”
Contrariado ou com gosto? “Com gosto. Adapto-me. Não tenho um estilo definido no jogo.”
Precisa de alguém que lhe diga que está mal? “Gosto que me digam o que está mal e o que posso melhorar. Gosto de um treinador que me chame ao banco e me diga, ‘tens de concentrar-te mais, estás distraído’. Dizia muitas vezes ao míster Rúben, ‘se me perder muito no bate-boca, me perder muito na tarefa, chame-me ao banco e diga, ‘tem calma’’.”