
Esperei até ao limite da hora em que posso submeter esta crónica para perceber como é que ficava, afinal, a novela Gyokeres. Mas chego ao final do prazo ainda sem grandes certezas — exceto a de que o avançado sueco não é, e lamento muito escrevê-lo, dono de um grande caráter.
Antes de avançar, deixem-me dizer que enquanto sportinguista vou estar sempre profundamente grata a Gyokeres que gravou o seu nome na história do clube. O bicampeonato tem a sua assinatura indelével e nenhuma das atitudes que teve posteriormente poderá apagar a alegria que ofereceu aos adeptos com cada um dos golos que marcou de leão ao peito. A sua imagem e o seu nome, aconteça o que acontecer, não sairão jamais do nosso museu. E é exatamente por isso que ainda custa mais lidar com este final que, com igual desfecho, poderia ter sido bastante mais digno.
Não se apresentar na data em que o deveria ter feito é uma tremenda falta de respeito para com o clube que o catapultou para novos voos. E chamar greve a isso é perverter totalmente o sentido da palavra. As greves não são decretadas pelos trabalhadores sem quaisquer regras — a isso chamam-se faltas injustificadas e, em todos os empregos, dão direito a processo disciplinar.
Gyokeres quer sair e está no seu absoluto direito. Deu ao Sporting tudo o que podia. Mas alguém lhe devia contar a história de Ícaro que, apesar dos avisos do pai, deslumbrado com a sensação de voar, se aproximou demasiado do Sol e acabou por derreter a cola das asas e morrer afogado no mar. O avançado sueco, com as atitudes das últimas semanas, tem-se assemelhado demasiado ao menino fugido do labirinto de Creta sem perceber que nem ele nem ninguém estão acima do Sporting Clube de Portugal.
Sabem, cresci a aprender que o melhor era ter zero ídolos. Aliás, não acredito que haja algum sportinguista que nunca tenha ouvido esta expressão. Lembro-me também de ser miúda e de ouvir o meu pai dizer que éramos ótimos a formar jogadores, mas péssimos a formar homens com valores. E se, neste caso, o jogador não é produto da nossa formação, a verdade é que nas últimas semanas me tenho lembrado desta frase de forma recorrente.
Repito para que não haja dúvidas: estou profundamente agradecida a Gyokeres. Mas nem Gyokeres nem nenhum jogador é mais importante do que o Sporting. Porque os jogadores vão e vêm, numa relação que, demasiadas vezes, é efémera. Mas o clube permanece, de geração em geração.
O presidente Frederico Varandas tem estado bem. Assertivo e mantendo a palavra. Espero que esta sua postura esteja a ser observada por todos os jogadores do plantel para que percebam que esta Direção não cede a caprichos de meninos mimados que acreditam que o mundo se deve curvar às suas vontades e que é lícito cuspir no prato em que se comeu.
A última coisa que soube, antes de começar a escrever estas linhas, foi que o empresário de Gyokeres estaria disposto a abdicar da sua comissão de 10% (já agora, deixem-me só referir que este valor de comissão, mesmo dentro do sugerido pela FIFA, é verdadeiramente aberrante) fazendo com que, assim, o valor efetivamente recebido pelo Sporting correspondesse àquelas que são, desde o início, as aspirações do clube.
Segundo parece, neste momento, a concretização do negócio só estará pendente da clarificação das condições relativas aos dez milhões em variáveis. Mas eu, confesso, sinto-me uma espécie de S. Tomé e preciso mesmo de ver para crer. Porque conhecendo o perfil de Hasan Çetinkaya, sabe Deus o que me custa acreditar que o empresário tenha abdicado da comissão sem outras contrapartidas.
Se isto aconteceu é ótimo porque, após pagamento de mais-valias ao Coventry, o Sporting garante um encaixe de 59,5 M de euros limpos. E sim, ao contrário do que tenho lido por essas redes sociais, este é um ótimo encaixe para um jogador de vinte e sete anos que foi uma peça fundamental no bicampeonato e que, ainda por cima, não tem absolutamente nenhuma vontade de permanecer no clube.
Confirmando-se esta cedência do empresário, Varandas vence o duelo e faz valer a sua posição. Caso o Arsenal tivesse oferecido os €70+10 M, o Sporting, depois de pagar ao empresário do jogador, ficaria com €63 M. Assim, sem pagar comissão, o Sporting fica com €63,5M (mais os dez em variáveis) e, empresário à parte, toda a gente fica contente.
Mas, como digo, eu ainda preciso de ver para crer (e até pode ser que, na terça-feira, quando estas linhas saírem, já tenha visto e já creia). Até lá, vou ensinando aos meus filhos que os ídolos, todos eles, são efémeros. E que, por via das dúvidas, mais vale estamparem o próprio nome nas camisolas.
Já agora, por falar em camisolas, e o nosso equipamento alternativo com inspiração na calçada portuguesa? Se a princípio estranhei, agora já entranhei e acho absolutamente bonito. Além de que, não duvido, vai assentar lindamente em Luis Suárez que, espero eu e espera Rui Borges, virá colmatar a vaga deixada por Gyokeres.
Não nos iludamos: o buraco deixado pelo sueco não será de fácil preenchimento e tenho quase a certeza de que iremos sentir a sua falta. Não há um jogador com a qualidade e a letalidade de Gyokeres a cada esquina. Mas também sei que a força maior do Sporting está no seu coletivo e na garra e ambição dos que ficam.
Ver partir aquele que foi um dos melhores jogadores de sempre do clube é tudo menos agradável. Mas mais doloroso seria prolongar esta novela que nos tem vindo a desgastar a todos. Gyokeres sai. O Sporting fica.
E fica de cabeça erguida e peito tufado. Fica bicampeão nacional. Fica com um estádio como há muito os adeptos desejavam. Fica com um espírito de união e vitória. O que é que podíamos pedir mais?
No pódio
Carlos Alcaraz e Jannik Sinner, dois dos grandes talentos da nova geração do ténis mundial, proporcionaram-nos uma bem disputada final em Wimbledon, que, desta vez, caiu para o lado do italiano. Eu, fã do estilo agressivo e das drop shots — que são marca registada do espanhol —, e muito menos fã do ténis mais frio de Sinner, confesso que fiquei desiludida com o resultado, mas contente com o espetáculo. E é impossível não elogiar Wimbledon que consegue, anos após ano, manter uma atmosfera que nos faz quase sentir britânicos por duas semanas. Morangos com natas incluídos.
Na bancada
A festa de dezoito anos de Lamine Yamal tem dado muito que falar. A primeira questão que saiu a público foi a contratação de chicas de imagen que, basicamente, são mulheres jovens contratadas para fazer presença e que foram escolhidas com base em critérios como o tamanho do peito e a cor do cabelo. A cada uma delas terá sido fornecido um cartão para despesas num valor entre dez e vinte mil euros. O corolário da objetificação das mulheres, pois claro. Além disto, Yamal terá ainda contratado vários anões como parte do espetáculo, o que levou a que a Associação de Pessoas com Acondroplasia e Outras Displasias Esqueléticas denunciasse a situação que referiu como degradante e saída diretamente da idade média. Lamine Yamal é, efetivamente, um miúdo. Mas deveria ter quem o aconselhasse melhor.








