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Um ano sem Manuel Fernandes Tiago Fernandes: «A Direção do Sporting foi inexcedível»

— Qual o comportamento da Direção liderada por Frederico Varandas durante o período de doença de seu pai?

— Fantástico porque não deixou que faltasse nada. Posso dar aqui dois exemplos. O meu pai no hospital teve todo o apoio porque nós o conseguimos através do doutor Eduardo Barroso, que foi alguém que nos ajudou muito desde o primeiro dia.Mas há todo um pessoal a que as pessoas, por vezes, não dão grande importância. Os enfermeiros dos hospitais… são inexcedíveis. Porque eu via e vivi isso dois anos com o meu pai nos hospitais todos os dias. A dedicação que têm para com todos os doentes… As campainhas estão sempre a tocar, andam sempre abaixo e acima. E há outros profissionais que também merecem destacados, como os bombeiros, os polícias ou os professores. Ou seja, acho que que têm de ser valorizados. E a Direção do Sporting foi inexcedível enquanto o meu pai esteve internado. Houve uma fase em que nos disseram que já não havia nada a fazer.  Foi a pior fase, a final. O médico chamou-me e disse que já não havia mais nada a fazer e se eu queria levar o meu pai para casa, mas que teria de montar um hospital, porque ele não podia estar sem oxigénio, sem cama ou cadeira próprias. Falei com Varandas porque aquilo era um serviço ainda um bocado caro. E o meu pai não queria… Sabe como são as pessoas quando vão… O meu pai nunca foi uma pessoa de gastar dinheiro. Era muito equilibrado financeiramente. E quando isso aconteceu eu disse-lhe:‘ pai, a gente paga isso, não há problema nenhum.’ Ele disse, que não, alegando que era muito dinheiro, preferia ficar no hospital. E vi-me numa situação muito difícil, porque não o queria deixar no hospital, queria que viesse para casa, para perto dos filhos e dos netos. Estar ali na sala, connosco, mesmo mais ou menos debilitado, estava a conviver connosco. E era o conforto dele, a família, a casa dele.

— Como conseguiu resolver o assunto?

— Liguei a Varandas, para ele me ajudar a desbloquear aquilo.  Porque só ele é que iria conseguir dizendo ao meu pai para ir para casa. Porque como médico, era o conselho que lhe dava.  Então, combinei com o Varandas e fomos ao hospital. E ele disse isso ao meu pai, para não se preocupar com nada disso. Disse-lhe: ’Manel, vai para casa porque tu tens de estar ao pé da tua família, dos teus filhos, dos teus netos. Ali é que estás bem’.  E mesmo sendo caro ou barato, o Sporting suportou tudo.

Varandas disse ao meu pai: «vai para casa porque tens de estar ao pé da tua família, dos teus filhos, dos teus netos, ali é que estás bem»

— Ele sabia avaliar muito bem pontas-de-lança e, após ter visto Gyokeres uma única vez, disse-me que era o melhor a jogar em Portugal…

— Dizia que ele era um touro. «Este gajo é claramente acima da média», defendia. É completo, mas tem de melhorar um pouco no jogo aéreo.  Mas também não precisa muito, pois continua a fazer golos.

A mágoa com a FPF

— Depois da última gala das Quinas de Ouro da FPF, deixou críticas duras por não terem mencionado o seu pai. Essa mágoa está ultrapassada, ou ficou?

— Fiquei mais magoado na altura. O meu pai tinha acabado de falecer há três meses.  Não estou contra as homenagens que fizeram às pessoas que chamaram ao palco, mas acho que pelo menos o nome dele deveria ter sido relembrado, pois foi e continua a ser uma grande figura do futebol português. Mas também senti sempre que ele na Seleção nunca foi uma pessoa muito…  valorizada. Ficou de fora do México-86, mesmo depois de ter sido melhor marcador.

— Ele ficou com esse ressentimento até o final da vida?

— Sim, claro.  Ele foi o melhor marcador em 1985/86 e depois ficou fora dos convocados para o Mundial do México.  Claro. É uma mágoa, mas que ele também ultrapassou.  E acho que agora com Pedro Proença, pelo menos essas coisas já não acontecerão.

— Consegue entender como é que ele foi apenas 30 vezes internacional?

— Antigamente havia Nené, Jordão, Gomes; esses craques todos na frente. Mas também só havia para aí dez jogos por cada fase de qualificação da Seleção, se calhar nem tantos. Agora há a Liga das Nações, há competições internacionais para a Seleção a toda hora.  E é fácil aos jogadores terem muitas internacionalizações. Aliás, até acho que o recorde do Ronaldo vai ser batido pelo João Neves ou por estes jogadores jovens, como o Mora, que tem 17 anos, porque existirão cada vez mais jogos internacionais.

— Julga que tem de provar o dobro dos outros por ser filho de quem é?

— Não sei. Quando jogava se calhar sim, porque as pessoas comparavam sempre.Como treinador, acho que têm de olhar para mim só como Tiago, como treinador e avaliar o meu trabalho. Não me importo de treinar seja em que clube formas nunca deixar de ser o filho do Manuel Fernandes.

— Disse uma vez preferir nunca treinar o Real Madrid a deixar de ser filho do Manuel Fernandes..

— Até preferia nem treinar ninguém  mas nunca deixaria de ser filho do meu pai porque é um orgulho. Se as pessoas não sabem distinguir isso… nunca valorizei muito o que os outros pensam de mim. Tenho as minhas ideias bem fixas e acho que vou conseguir treinar e atingir os objetivos com trabalho, dedicação e paixão; sabendo que o nome dele está sempre ligado à minha figura, o que é normal.

— Qual o maior legado que lhe deixou?

—A educação. Os princípios.  Conheceu-o. Sabe como é que ele era. Os princípios que temos de ter e o caráter como homens. A palavra.  A dedicação, a paixão pelo futebol e a convicção de nunca deixarmos de dizer aquilo que pensamos. Não temos de dizer as coisas só para agradar os outros. As pessoas têm de estar de connosco pelo que somos. E também me pediu para nunca deixar de olhar pelas minhas irmãs, que são três.

 

O meu pai deixou-me a dedicação, a paixão pelo futebol e a convicção de nunca deixarmos de dizer aquilo que pensamos. Não temos de dizer as coisas só para agradar os outros

— É uma espécie de zelador dum museu Manuel Fernandes. Pensa abri-lo ao público?

— Já muitas pessoas me perguntaram se um dia gostava de fazer um museu do Manuel Fernandes num espaço aberto, mas ainda não o consegui. Mas as coisas estão todas guardadas e organizadas num sítio muito especial. É mais familiar E quem quiser ver, levo-o lá. É um sítio onde às vezes gosto de estar.

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